quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Drogas e o vício - o que os olhos não esquecem


Falar de vício - fácil pra quem vê o problema de fora e de forma bidimensional. 

Não faço apologia ou juízo de valor, pois corro o risco de assumir uma postura cabida apenas a quem vive o problema. Já vi o enlevo pela bebida. A vida da pessoa vira um céu e depois um inferno, quando na verdade, nunca houve céu. Pura ilusão. E esses olhos já viram o inferno de quem se descobre vencido pela cocaína – o tempo não é suficiente pra esquecer algo assim. Era meu segundo emprego, me espelhava num colega, um querido. Aprendi muito com ele. Era sofisticado pra atender clientes, sagaz com os números e implacável na venda. E tinha mel, todo mundo gostava do cara. Se me perguntassem como eu via o futuro dele, respondia sem pensar: era o próximo chefe de alguém, com certeza. Até que, um dia, o Saulo sumiu (nome fictício, pra preservar sua identidade). Não atendia telefone, não respondia e-mail, não apareceu mais no escritório. Não era o tipo de cara que passava despercebido e isso preocupou. Uma semana após o sumiço, a família envolveu polícia. Entraram no apartamento e o encontraram pelado, desacordado, em plena crise de abstinência. O chão do apartamento era cenário de guerra – comida pelo chão, roupas, pertences e, ao que parecia, tinha desmontado uns cinco computadores. Peças de todos os tamanhos pra todos os lados, misturadas com cadeiras quebradas, gavetas reviradas. O apartamento quase não tinha móveis e o que tinha, tava aos pedaços. Passados uns dias, fui visitá-lo na internação de uma clínica famosa. Dei um livro pra ele, do Fernão Capelo Gaivota, onde escrevi uma dedicatória: “amigo, tenha paciência e que Deus te dê sabedoria para seguir adiante. Um forte e caloroso abraço.” Quando leu a dedicatória, Saulo se emocionou e me endereçou aquele olhar vazio. Lembrei dos personagens do Nicholas Cage, sempre aquele semblante atordoado. Agradeceu o livro e se foi, acompanhado por um enfermeiro. Nunca mais vi o Saulo e nunca mais esqueci aquele olhar.

Quando li que o Brasil é o segundo país no mundo no consumo de cocaína e derivados, lembrei do caso do Saulo. 2,8 milhões de brasileiros consumiram cocaína nos últimos 12 meses, até a data da pesquisa (Unifesp 2012). É mais que a população de Salvador, a terceira maior cidade do Brasil. E 35% dessas pessoas estão no estado de São Paulo. Vendo a coisa por essa perspectiva, fica ainda mais assustador. Só temos um caminho: alertar nossos filhos e fazer de tudo pra que entendam (e fiquem longe) dessa realidade. Já temos “Saulos” demais nas nossas portas.  

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