Não faço
apologia ou juízo de valor, pois corro o risco de assumir uma postura cabida
apenas a quem vive o problema. Já vi o enlevo pela bebida. A vida da pessoa
vira um céu e depois um inferno, quando na verdade, nunca houve céu. Pura
ilusão. E esses olhos já viram o inferno de quem se descobre vencido pela cocaína – o
tempo não é suficiente pra esquecer algo assim. Era meu segundo emprego, me
espelhava num colega, um querido. Aprendi muito com ele. Era sofisticado pra
atender clientes, sagaz com os números e implacável na venda. E tinha mel, todo
mundo gostava do cara. Se me perguntassem como eu via o futuro dele, respondia
sem pensar: era o próximo chefe de alguém, com certeza. Até que, um dia, o Saulo sumiu
(nome fictício, pra preservar sua identidade). Não atendia telefone, não respondia
e-mail, não apareceu mais no escritório. Não era o tipo de cara que passava
despercebido e isso preocupou. Uma semana após o sumiço, a família envolveu polícia. Entraram no apartamento e o encontraram pelado, desacordado, em plena
crise de abstinência. O chão do apartamento era cenário de guerra – comida pelo
chão, roupas, pertences e, ao que parecia, tinha desmontado uns cinco
computadores. Peças de todos os tamanhos pra todos os lados, misturadas com cadeiras quebradas,
gavetas reviradas. O apartamento quase não tinha móveis e o que tinha, tava aos
pedaços. Passados uns dias, fui visitá-lo na internação de uma clínica famosa.
Dei um livro pra ele, do Fernão Capelo Gaivota, onde escrevi uma dedicatória: “amigo,
tenha paciência e que Deus te dê sabedoria para seguir adiante. Um forte e
caloroso abraço.” Quando leu a dedicatória, Saulo se emocionou e me endereçou
aquele olhar vazio. Lembrei dos personagens do Nicholas Cage, sempre aquele semblante atordoado. Agradeceu o livro e se foi,
acompanhado por um enfermeiro. Nunca mais vi o Saulo e nunca mais esqueci
aquele olhar.
Quando
li que o Brasil é o segundo país no mundo no consumo de cocaína e
derivados, lembrei do caso do Saulo. 2,8 milhões de brasileiros consumiram
cocaína nos últimos 12 meses, até a data da pesquisa (Unifesp 2012). É mais que
a população de Salvador, a terceira maior cidade do Brasil. E 35% dessas pessoas estão no estado de São Paulo. Vendo a coisa por
essa perspectiva, fica ainda mais assustador. Só temos um caminho: alertar
nossos filhos e fazer de tudo pra que entendam (e fiquem longe) dessa
realidade. Já temos “Saulos” demais nas nossas portas.
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