terça-feira, 19 de julho de 2011

Vovó, turbulências e o Zorro brasileiro

Minha vó e eu nunca discordamos. Lembro de uma única vez em que me fuzilou com os olhos; encasquetei de dizer que o Zorro brasileiro era o Rubens De Falco. Veio um sonoro protesto: “- Nada a ver, credo meu filho!”, como se fosse uma heresia. E insisti no erro: “- Claro vó, vê se não é a pose do Guy Williams do tempo dos bondes...”. Bastou pra fechar a cara e o tempo. Tinha mexido na única hóstia sagrada daquela casa: falar do Rubens De Falco, a lenda da TV e do teatro. Pensava nisso e acho que pensei meio alto. Quando dei por mim, era ele meu opositor de poltrona na fila 23 daquele voo, a última poltrona. O Senhor De Falco me observava. Mas tinha algo errado. Era ele, mas não era exatamente ele. Rosto fechado, sombrio, me fez um gentil aceno de cabeça, mas não soava natural, suava. Isso mesmo. “Medo de avião”. E de novo acho que pensei alto. Ele me olhou e respondeu meio sem graça:

- Tenho sim. Ainda sou do tempo em que se pensava que se homem fosse pra voar, teria asas.
Retribui pra relaxar: - Mas na sua profissão o Senhor deve voar muito, não?
- Verdade, mas evito sempre que possível. Esses vôos de Porto Alegre pro Rio de Janeiro são angustiantes, principalmente os da noite. Já recusei alguns trabalhos por não achar que era um bom dia pra voar.

Cheguei a abrir a boca pra dizer "minha vó é sua fã", mas parei. Ator famoso é cheio de melindres, podia soar como ofensa. Nisso, a aeromoça tropeçou, soou o alerta de três toques (turbulência forte) e o avião estremeceu brutalmente, e mais um solavanco no vácuo. Muita gente gritou e uma mão forte agarrou a minha. Era o Senhor De Falco de novo. Tentei acalmá-lo: “- Posso assegurar que hoje não será o seu dia, fique tranquilo.” Num gestou instintivo, respondeu: “- E muito menos, penso eu, que será o seu dia, tão pouco.”  Coisa estranha. Estava parecendo aqueles textos de novela de época mesmo, o diálogo não evoluía.
Rubens de Falco e Guy Williams...
também tínhamos o nosso Zorro

Passado o susto, pulsação normal e a rotina no avião também recomeça. Vi, aos poucos, o Senhor Leôncio ir apagando na poltrona, sereno como num capítulo de A Escrava Isaura. Não tinha nada de tão épico assim. Pousamos e na escada do avião, nos apertamos as mãos. Confirmei: “- Viu? Não era mesmo o seu dia.”, ao que ouvi um sorridente “- Nem o seu, meu caro, nem o seu” e sumiu apressado pelo saguão do Santos Dumont.  

No táxi, o visual da Baia da Guanabara ia rápido e resolvi ligar pra minha vó. “- Vó, adivinha com quem voei hoje? Com o Zorro brasileiro!” Qual o quê! Fechou o tempo no telefone.  

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