Meu pai devorava livros. Eu era um pingo de gente e já achava o máximo ele lá, naquele momento supremo em que a solidão encontra o trono sagrado. Lembro do título de um dos primeiros que li: "A Vida do Elefante Basílio", de Érico Veríssimo. Esse certamente foi um dos primeiros – me amarrei na história maluca daquele elefantinho viajandão, uma mostra do que era capaz um dos monstros sagrados da nossa literatura. Depois veio “Sete Noites de Joãozinho” – muito triste, me fazia lembrar uma história antiga chamada “Marcelino Pão e Vinho”. Mas não desanimei. Um dia ganhei da querida vó postiça Rogéria a Série Taquara-Poca, de Francisco Marins. Uma saga sobre o interior do Brasil nos tempos do descobrimento. Essa coleção despertou meu interesse por história, mas não passou daí. No colégio, a pressão para ler clássicos da literatura brasileira era grande. Pressão mesmo, porque se algum professor conseguiu seduzir alunos pra leitura ao invés de impor, esse eu não conheci. Tive que ceder: Memórias de um Sargento de Milícias. Mas por pouco tempo – meu pai estava lá outra vez. Bati o olho em Papillon, O Destino do Poseidon, Tubarão, Os Sobreviventes dos Andes...nada adequados pra um garoto, mas a curiosidade de um menino não podia ser tolida.
Um dia, fui pego com um livro embaixo do casaco, saindo da biblioteca do colégio. A Irmã Dirce me segurou pelo braço e, no pavor, o livro caiu. O Tempo e o Vento, também de Érico Veríssimo. Um professor de filosofia disse numa aula que “quem roubava livros não era ladrão, mas sedento do saber”, uma piada que resolvi testar. Claro que não contei isso pra Irmã Dirce, pelo bem do Professor. Como frequentador de carteirinha da biblioteca, tive direito a um trato: dois meses ajudando a organizar os livros no recreio e orientando colegas sobre onde encontrar um ou outro título e a Irmã Dirce esqueceria aquele dia. Aceitei no ato, não queria aquela mancha pra envergonhar meus pais.
Meu pai e a Irmã Dirce, devo a eles o amor pelos livros. Um amor que procuro passar pro meu filho, como contribuição a uma geração feita de Pods, Pads e Tunes. E o livro do Érico Veríssimo? Ganheio o livro, mas tive que doar outro em troca para a biblioteca. Foi mais do que justo, foi transformador.
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