Ganhei um livro do meu amigo Dr. Ricardo Tedeschi – “De onde vim, aonde cheguei”, escrito pelo Sr. Orlindo Tedeschi, avô do Ricardo. Com mais de 90 anos, muito trabalho e dedicação à família, Seu Orlindo achou que deveria deixar tudo em livro. E o fêz. Faleceu aos 94, deixando um legado. Lendo o livro, ganha sentido pra mim o fato de que histórias de pessoas comuns, célebres ou não, são partes da uma memória coletiva. E não tem forma mais autêntica de passar o bastão adiante do que essa – contar histórias. Vendo o orgulho com que Ricardo me confiou um exemplar do livro do Seu Orlindo, disso eu não tenho dúvida.
Não conseguia dormir, me peguei pensando então no meu avô. Por parte de pai. A família do meu pai sempre me pareceu pequena, as pessoas não cultivaram o hábito do convívio, assim não criaram redes, os primos se perderam. As gerações que vieram tiveram cada vez menos filhos. Então o caminho natural é o desaparecimento. Não é um assunto lá muito relaxante pra conciliar o sono, mas aquilo me perturbou. Sempre soube que meu avô era uma pessoa da qual todos gostavam, mas por mais que meu pai se esforce, ter saído cedo de casa e meu avô ter morrido novo teve um preço - as histórias sobre ele são realmente poucas. E ainda por cima, os poucos que gostaram dele foram morrendo. A mistureba de gente e as sucessivas gerações vão ficando só com as fotos, ninguém pra contar os detalhes, pra por legenda nas fotos. Lembrei de um erro de interpretação, fruto da minha imaginação infantil: por muito tempo achei que o pai do meu avô era maquinista de trem. Qual nada - consertava máquinas de costura, acho. Não que o oficio não seja igualmente nobre, mas digamos que pra uma criança, um tanto menos glamouroso. Já pensou se um erro destes se perpetua? Comecei a suar. A memória do meu avô se vai com o fim da família? Não pode. Aquilo me incomodou de tal maneira que uma tristeza se abateu, espécie de culpa. Levantei e fui pra internet. Lembro que tinha lido alguma coisa sobre a preservação da história das pessoas e não custou muito, coisa de 20 minutos, pra eu encontrar algo que me desse alivio: uma matéria de jornal sobre o Museu da Pessoa. Engraçado isso, mas alguém um dia encasquetou que bastava ser uma pessoa para ser acervo. Achei a pessoa: Karen Worcman, historiadora, fundadora e diretora do Museu da Pessoa. Então existe mesmo um museu que coleciona gente.
Karen Worcman "Toda pessoa é, na verdade, um acervo pra sociedade" |
Segundo Karen, ainda na faculdade, após ter entrevistado mais de 90 pessoas para um trabalho sobre a chegada dos judeus ao Brasil, teve o insight. A pessoa morre, mas o seu “Eu” verdadeiro fica – era o que dizia uma das velhinhas entrevistadas, aliviada por ter contado a sua história. Karen, começou então a trabalhar. Juntou a função social da história com o valor que cada história de vida continha e fundou o Museu. Começou com acervos em fita cassete, vídeos. Hoje, após mais de 20 mil histórias coletadas, a web é o caminho natural de interação. Atualmente com mais de 30 pessoas engajadas, além do site, o Museu tem uma sede na Vila Madalena, São Paulo. Para sobreviver, vendem projetos de memória para empresas privadas (por exemplo, Vale e Votorantim), recebem patrocínios tanto de empresas públicas quanto privadas, além do apoio financeiro do Ministério da Cultura.
Qualquer um pode procurar o Museu da Pessoa pra contar sua história e imortalizá-la. Pode mandar o material pro site, ir até o museu ou mesmo participar das “Cabines itinerantes” – um pesquisador, vez por outra, monta um bureau numa praça ou mercado e se põe a ouvir histórias. Lendo mais a respeito, soube que iniciativas como esta também surgiram em Portugual, no Canadá e nos EUA. Mas todas após o Museu começado por Karen Worcman. Ainda não contei a história do meu avô. Mas no momento certo, já sei por onde começar - Museu da Pessoa. Obrigado, Karen.
Para conhecer o Museu da Pessoa, clique aqui.
fonte: site do Museu da Pessoa e Veja Online.
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