segunda-feira, 24 de maio de 2010

Admirável Mundo Estranho

Vida de viajante é assim, cheia de causos. Um susto me acordou, turbulência talvez. Mas olhei pro lado e ví um sorriso.
- Bom sono, bom sono. Prazer, Fiodor. Isso mesmo, mas não sou russo. Todo mundo pergunta.
Cumprimentei meio dormindo. Nunca conheci um Fiodor na vida, ainda mais na poltrona ao lado, voando há 8.000 metros, sobre algum lugar do Interior de São Paulo. Não tinha muito a falar, estava ainda voltando à terra:
- Prazer. E o que você faz, Fiodor?
- Palestras. Sou Engenheiro Químico, sou o cara que vai dizer quanto de um material A se transformará em um material B, quais os equipamentos envolvidos no processo, quanta matéria prima será necessária, sob que temperatura e pressão, essas coisas. Junto todas as variáveis e controlo para que o tudo ocorra da melhor maneira possivel. Hoje estou em pretroquímica, mas já fiz de tudo.
Ainda bem que eu só perguntei o que ele fazia. Arrisquei uma segunda pergunta, talvez menos expositiva:
- Qual o lugar mais interessante que você já esteve?
- Colômbia, mas nunca mais volto lá. Não aconselho pra ninguém. Já fui 3 vezes, mas não volto mais, nem pagando muito bem. Na primeira vez cheguei para a palestra, estava hospedado no Centro. Quando preparava os slides, me bate um cara do Exército na minha porta avisando que as FARC haviam explodido o auditório. Postergaram pra daqui dois dias...
- Mas pensei que a coisa estivesse mais calma por lá...
- Pois sim, só se você pagar as “vacunas”, sabe o que é? "Vacuna" é vacina em espanhol, você sabe, isso mesmo. Você paga mensalmente para não te sequestrarem, recebe em troca um documento, as "vacunas", aí pode andar livremente pelo país. Se você vai de carro, encontra pelo interior uma barreira a cada 100 km. O motorista da van já vai com dois pacotes: um de documentos normais, outro de “vacunas”. Se for exército colombiano, apresenta um pacote, se for bandido das FARC, entrega o das “vacunas”...
- Mas isso parece o RJ, Fiodor. Só que não tem o nome de "vacuna". É pagamento de milícia mesmo, proteção.
- Isso mesmo. Tá igual ao RJ, você tem razão. Eu tenho um amigo no RJ que tem 14 padarias, sabe? Anos a fio, era Gerente de loja baleado, funcionário roubado ao sair, balconista ameaçado, assaltado. Passou a pagar por proteção, acabou. Nunca mais teve uma encomodação sequer. É a "vacuna carioca". Ôôôpa, chegamos.
O avião pára. Aguardamos para tirar as bagagens naquele aeroporto mínimo de interior. Meu amigo Fiodor se despede sorridente:
- Um abraço, meu amigo Daniel e não esqueça as “vacunas”, jamais!
Com certeza Fiodor, com certeza. E eu que queria tanto conhecer Baranquilla. Mundo estranho esse. Saúde, ou melhor, Salud.

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