quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

"Meu Vício é Crochê"

“Vício”, por Aurélio Buarque de Holanda: 1. Defeito grave que torna a pessoa ou coisa inadequada para certos fins ou funções. 2. Inclinação para o mal. 3.Costume de proceder mal, desregramento habitual”. Fechei o dicionário. Tenho um caso debaixo do meu nariz. Minha avó é viciada em crochê. Os sintomas surgem quando está sem agulhas e linhas “Corrente”. “Me falta o chão”, diz. Fui ao Doutor Google: “Crochólatras Anônimos – não perca a linha por uma boa Agulha, nós a (o) ajudaremos”. Estranhei o “o” no anúncio – homens também?? Admitir um vício é um ato de coragem, ainda mais quando se tem 84 anos. Isso não torna minha avó uma ameaça à sociedade - se bem que quando não tem linha “Corrente”, basta um mísero novelo de linha “Círculo” no meio; o inferno de Dante – não reconheço mais sua fisionomia.
Não foi difícil convencê-la a ir ao primeiro encontro. Impassível, chegou comigo. Outras senhorinhas estavam por ali, inofensivas, apenas uma crochetando freneticamente. “A Ester perdeu a noção da realidade” observou a coordenadora, olhando a pobre crocheteira. Hora das apresentações: “A senhora, pode vir se apresentar?” Minha avó foi, naquele passinho miúdo e firme. Quando olhou tranquilamente para os presentes e abriu a boca, ali conheci minha verdadeira avó:
- Ana do Carmo, 84 anos. Desde os 4 faço crochê, logo sou viciada. Bem, pelo menos meus filhos e netos acham isso. Toalhas de corda, conjuntos de mesa, quadriculados, aparadores, roupinhas de nenê, para isso, uns 2 tubos de 1200 metros por dia de linha “Corrente” me bastam (caraca, são 60 mil quilômetros de linha em 80 anos! Se a Corrente tivesse cartão de milhagem, seríamos uma família rica). Já fiz 27 colchas de casal com tubos de 1600 metros (fiz as contas: mais 584 quilômetros!). Uma vez, meu neto me pediu uma tanga igual à do Gabera. Ele é o único que me entende (no meio das risadas, saí de fininho antes do mico).
Não é qualquer um que tem uma avó que dá a volta na terra uma vez e meia só com linhas Corrente, “mas tem que ser Corrente!”. Saúde Vó. Saúde Sempre.

2 comentários:

  1. Amei ... amei o texto e amei a vó.
    A história da tanga (abafa) ... tô aqui rindo sozinha!
    Queria entender melhor aonde está o mal nisso aí ? Será vício por definição ? Beijosss Dan

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  2. Valeu Conz! Esse é um vício gostoso e que dá muito pano pra manga (ou linha pra agúlha!). Dani

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