terça-feira, 8 de março de 2011

Crônica de Carnaval


Oito da manhã e vinha o Miguel, do lado oposto da calçada, entoando: 

Carnaval, mascarado festival
Carnaval, sob o véu cada qual é sempre o outro
Carnaval, quantas faces no plural 
Carnaval, todo certo é igual a todo torto

Pensei: onde ele tirou essa pérola? Vinha tropeçando, cantando. Ops, desculpa, êpa...empurra não que tem espaço.
Carnaval, mascarado festival
Carnaval, sob o véu cada qual é sempre o outro
Carnaval, quantas faces no plural 
Carnaval, todo certo é igual a todo torto
Tentei ficar na minha, mas o Miguel me viu e veio, gingando. Meu camarada, é carnaval! Põe um riso nessa cara Arlequim, é carnaval. O amigo Arlequim tá tristinho? Tô triste não, Miguel. Sorriso na cara pra comprar duas sobre coxas de galinha? Não força, né...
Miguel pediu licença, impondo respeito. Empurra não senhora, a calçada é do POVO, NÃO É SUA, tô certo Mentirinha? O dono do açougue não quis apimentar a briga, só sorriu. A mulher desviou mas não deu mole: SEU BÊBADO! Ao que teve que ouvir do Miguel: Bêbado sim, sua FEIA. Só que amanhã eu tô curado. A fila explodiu numa gargalhada. Nessas alturas, todo mundo já participava do papo e o Miguel era o próprio Mestre-Sala sem Porta-Bandeira. Um outro cara mais a frente não se segurou: teu nome é Anakin? Não, é ARLEQUIM mesmo, aquele que chora pela Colombina. O rapaz ficou meio sem jeito, remediei: Nada a ver com o Anakin Skywalker, do Guerra nas Estrelas. Relaxa, já tô acostumado desde as gozações do tempo de colégio. Meu pai era obcecado por carnaval e deu no que deu.
O Mentirinha me deu minhas sobre coxas e, distraído enquanto pagava, não vi mais o Miguel. Tomou rumo ladeira abaixo, bloco de um homem só, onde cada qual é sempre o outro, nesse mascarado festival. O celular me tirou do transe. No visor, minha Colombina lembrava: só faltam as sobre coxas do fricassé, vai demorar?
Segui meu caminho e aquela música na cabeça: Carnaval, quantas faces no plural...Nessa época do ano, queira ou não, é sempre Carnaval. 

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